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A incrível alienação da dor do outro

Empatia não é um produto fácil de encontrar no mercado das relações humanas. Mas tem certos níveis que nos fazem pensar se a pessoa tem bom senso, pensamento, humanidade até.

Certas situações tem todo um trato social inerente. Você tem que se demonstrar próximo e disposto a ajudar, mas existe uma linha tênue entre se demonstrar disponível e interferir no espaço do outro. A linha tênue pode ser imaginária, mas é como a linha do Equador, tá lá. Vamos usar.

Trato social não é uma coisa que aprendemos na escola (deveríamos). Tão pouco está entre as qualidades elencadas para ensino por muitas famílias. Aí tem gente que não pega o traquejo com a vida e vira o tipo de pessoa que não sabe se portar numa situação de luto, diante de uma má notícia qualquer ou outra situação que abre um leque para os mais variados tipos de falta de noção.

É de comum sabença pelas bandas de cá que estamos enfrentando uma maré revolta. As vezes dá pra praticar um stand up padle e as vezes tomo tantos e tantos caixotes, me ralo toda no cascalho e saio toda fodida em direção da areia e não sobra nem o Wilson pra conversar comigo, nem caixinhas da Fedex pra eu olhar e dizer: surpreenda-me.

Meus amigos, num geral, tem ótimo bom senso. Minha melhor amiga é daquelas que dá a mão, socorre, atende telefone de madrugada, te leva no psiquiatra, na terapeuta, te abraça, ora por você e não questiona a materialidade do seu problema até que você se proponha a fazê-lo.

Um outro amigo, bem mais "prático", sempre me faz perguntas pontuais e úteis quando eu tô fodida: Você precisa de ajuda? Existe algo que eu possa fazer por você neste momento ou em breve para que melhore sua situação? Seu filho está precisando de alguma coisa? Eu sinto muito. E cabô... toca o barquinho. Também gosto assim.

Aí essa semana eu me vi numa situação escrota, enquanto no olho do furacão, que seria receber uma visita não convidada, não desejada e com uma bagagem de foras e falta de noção que precede todo o resto da sua reputação. Sei que muita gente assiste Big Bang Theory. Estou falando de uma versão de Sheldon Cooper com 60 e tantos anos.

Ele se convidou para vir em casa e eu e-d-u-c-a-d-a-m-e-n-t-e desconversei. Porra, como é que eu vou receber o pai do meu ex-marido em casa se nem o ex-marido frequenta a casa do mesmo jeito que antes?

A solução dele: um hotel que fica 2 quadras daqui. Transformou o meu "veremos" em "com certeza, combinado". E depois me manda uma mensagem dizendo que talvez precisasse adiantar o processo em 2 semaninhas. Mas viria e ficaria 2 dias e iria embora.

Deixa eu abrir um parêntese aqui. Meu ex-marido está para sofrer uma transferência de local de trabalho - para local indeterminado - e só terá a resposta de para onde será transferido nos próximos dias. Além disso, o trabalho dele pode impedi-lo de ver o pai me obrigando a fazer sala pro ex-sogro sem noção.

Quem pariu Matheus que o embale, né? Manda mensagem pro ex. Explica, fala que em outro momento, outra situação, outra era, de preferência outra vida, você recebe, faz sala, café e tudo que tem direito. Mas que agora tá complicado, que tá doendo e que você já tá fazendo malabarismo com problemas, não tá precisando de mais um. Obrigada.

Sabe o que o sujeito diz? Se vocês se sentem incomodados pela minha presença não irei impor isso para vocês. (depois de negociar comigo e com o ex separadamente diversas vezes e insistir depois de uma coleção de "agora não") Eu os amo. Aham.

Eu expliquei. Expliquei o momento de transição da situação de casados para divorciados, de trabalho do filho dele, dos problemas da casa que eu estou morando e inclusive do neto dele que vem demonstrando comportamentos preocupantes na escola.

Ele cagou. Cagou solenemente. O assunto encerrou, ele não visitará. Mas a alienação dele em relação a tudo que está acontecendo, principalmente ele tendo sido astro de uma separação quase digna de retrato por Nelson Rodrigues, muito me espanta.

Quando foi que para satisfazer nosso ego a gente começou a machucar ainda mais o outro. Não é questão mais de respeitar a dor. É infligi-la... é futucar a ferida aberta. Escarnecer. E pior, sem ressaca moral.


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